Ministério diz que CBS não incidirá sobre receita financeira ou não operacional, mas advogados apontam falta de clareza
O projeto de lei que cria a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS e à Cofins vem gerando uma série de incertezas no ambiente corporativo, que teme o aumento de carga tributária. Tributaristas alertam que, da forma como o texto foi enviado ao Congresso Nacional, ele abre brecha para a cobrança de CBS em operações empresariais atualmente isentas de PIS e Cofins, como lucros e dividendos e os resultados do método de equivalência patrimonial – ou seja, a atualização do valor contábil do investimento ao valor equivalente à participação societária.
Além disso, advogados preocupam-se com a possibilidade de cobrança de alíquotas diferenciadas dos lucros, dividendos, resultados e Juros sobre Capital Próprio (JCP) a depender da atividade econômica da empresa – se a investidora for uma instituição financeira, a alíquota será de 5,8%, se não, o percentual será de 12%. Com isso, os especialistas ouvidos pelo JOTA defendem que se o PL for aprovado com a redação atual pode gerar desestímulo a investimentos e o aumento dos litígios.
Pelas regras atuais do PIS e da Cofins, os lucros, dividendos e resultados do método de equivalência patrimonial não são tributados, e a isenção a essas operações está expressa em lei. No entanto, o PL 3.887/2020 não traz a especificação de isenção para essas atividades e determina que a CBS incida sobre a receita bruta das atividades-fim, conforme o disposto no artigo 12 do decreto-lei 1.598/1977.
Dessa forma, a interpretação dos tributaristas é que o conceito de receita bruta do projeto da CBS é amplo e pode incluir lucros, dividendos e resultados tanto no caso de empresas holding – cujo objeto social é comprar e vender participações em companhias – como de empresas que tenham múltiplos objetos sociais, entre eles operação de holding.
“Existem empresas que têm um objeto social plural, elas não fazem uma única atividade. É o caso, por exemplo, da Petrobras, em que a atuação como holding é tão importante quanto a atividade de produção e exploração de petróleo e refino”, explica Renata Emery, sócia do escritório Stocche e Forbes. “No caso de uma empresa que não é holding, ela tem o risco de ser tributada porque a leitura do artigo 12, dependendo de como ela é feita pelo fisco, pode dar margem a esse tipo de questionamento”, complementa a advogada.
O tributarista Douglas Odorizzi, sócio do escritório Dias de Souza, explica que é comum as empresas terem em seu objeto social a atividade econômica direta e a participação societária em outras. “Em uma leitura seca que se faz do projeto de lei da CBS, o resultado do investimento em outras companhias vai ser tributado porque faz parte da receita bruta. Por isso, para evitar discussão e para afastar tributação em relação aos dividendos, é preciso uma regra que os exclua da base de cálculo”, defende.
Odorizzi chama atenção ainda ao fato de que se a investidora for instituição financeira, a alíquota de CBS sobre esses lucros, dividendos e resultados, será de 5,8%. Para as demais pessoas jurídicas, o percentual será de 12%, o que poderia ferir o princípio da isonomia. “As duas empresas, tanto a instituição financeira quanto qualquer outra pessoa jurídica, têm receitas de dividendos ou de equivalência. Por que para uma a tributação será de 12% e outra será de 5,8%, se a atividade é a mesma e se não tem crédito?”, questiona.
O advogado lembra ainda que essa situação de diferença de alíquota entre bancos e demais empresas também será aplicada aos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Atualmente, as empresas pagam 9,25% de PIS/Cofins sobre os JCP porque a jurisprudência entende que trata-se de um tipo de remuneração de participação societária.
Ministério da Economia
A assessora especial do ministro Paulo Guedes, Vanessa Canado, respondeu, via assessoria de imprensa, que é desnecessária a especificação de diversas situações em que pessoas jurídicas ou receitas estariam isentas, visto que a CBS adota a receita bruta como fato gerador e tem o propósito de simplificar a legislação.
Segundo a assessora, dividendos, juros sobre capital próprio, resultados positivos de variação cambial, resultados positivos de equivalência patrimonial e outras receitas financeiras ou não operacionais que compõem a base da renda e não do consumo não serão tributados. “Estamos em fase de debate, mas estamos publicizando os entendimentos e estudando ajustes se forem necessários”, afirmou a assessora.
No entanto, o professor do IDP Alberto Medeiros pondera que ajustes precisam ser feitos para garantir a segurança jurídica e evitar a judicialização. O tributarista lembra, por exemplo, que a lei do PIS e da Cofins trazia a não cumulatividade e a tomada de crédito de insumo, no entanto, Receita e contribuintes passaram a interpretar de formas diferentes o que era insumo, gerando contencioso. “Em época de aperto fiscal é comum as questões dúbias serem interpretadas a favor do fisco para aumentar a arrecadação”.
“Não me parece, até pelo discurso do governo, que seja a intenção do governo tributar essas situações [dividendos, lucros e resultados sobre equivalência patrimonial]. Mas de boa intenção o inferno está cheio. O que a gente mais vê na prática, no passado do Brasil, é a gente ter uma lei toda bem intencionada, escrita de um jeito, e a Receita interpretar de outro”, afirma a advogada Renata Emery.
Fonte: FLÁVIA MAIA – Repórter em Brasília. Cobre tributário, em especial no Carf, no STJ e no STF.